sábado, 9 de maio de 2009

Maria tinha um pequeno cordeiro

Maria tinha um pequeno cordeiro, cuja lã era branca como a neve, e a todo lugar aonde Maria ia, o cordeirinho a seguia em breve. A infanta de cabelos escuros e com fartos caracóis era cega, porém exibia enormes olhos, que eram pretos como carvões. Pobre criança se tornava assim indefesa ao cruel mundo que a cercava, mas Maria tinha o seu anjinho barroco, que preenchia a sua deficiência e que era a sua fonte de conforto e proteção. Maria também tinha um papai, que a adorava mais que a própria vida, desde que sua esposa faleceu o bem estar de sua filha tem sido seu principal objetivo.

Seu pai acordava sempre antes do raiar do sol, para assim poder manter o sustento de sua pequena e harmoniosa família. Mas ele nunca partia sem antes deixar um beijo amoroso em Maria e um acariciar afetuoso no cordeirinho, o qual sempre cuidava do sono de sua fiel companheira. Os dois mantinham uma relação recíproca de amor e confiança, para o cordeiro o sorriso de Maria era um milagre divino em prova, a felicidade da garotinha iluminava a sua alma, a manifestação de euforia verdadeiramente tomava conta de seu ser, esse feitiço era algo que jamais alguém poderia compreender unicamente sentir.

Maria adorava a neve, presenciar flores do campo congeladas derramava vida em si. Um dia pôs-se a passear pela floresta congelada, e não importando o caminho trajado, o cordeiro prontamente a seguia. Entre risos e brincadeiras os dois foram se distanciando, os lindos cachinhos de Maria estavam cobertos de pontinhos brancos, o encanto da pura e branca neve suavemente derretia em seu rosto, e o fato de saber que seu querido amigo estava sempre ali, pronto para lhe oferecer todo o amor e carinho que possuía a deixava sempre tão amável e tranquila, a paz que ela precisava estava ali.

Por entre os galhos secos, ouviu-se um estranho ruído, algo os observava. Maria podia sentir o cheiro maligno envolta, encontrava-se relativamente distante do cordeiro, apreensiva tentou aproximação e cautelosamente foi vagando, quando já próxima, foi surpreendida por uma criatura que se interpôs entre os dois. Assustada levou a mão aos lábios, ela reconhecia aquele animal, seu pai já havia lhe contado estórias sobre o lobo selvagem de olhos vivamente vermelhos, sua pelagem era branca acinzentada, a criatura exalava ódio por entre os afiados dentes caçadores, e ele fitou sua atenção exclusivamente para o cordeirinho apavorado, ela notou que em segundos iria produzir um ataque feroz e devastador ao seu amado amigo. A adrenalina da garota estava a todo vapor, encontrava-se ofegante e com muita sede, um mínimo de descuido e seu adversário produziria um desastre.

Maria procurou manter-se lúcida, hesitou por um momento e recordou de um pormenor que seu pai havia declarado uma vez, no qual essa espécie de lobo tem o instinto movido pelo cheiro de sangue. Sem movimentos hostis e respiração controlada abaixou-se cuidadosamente e juntou próximo de si um objeto pontiagudo e perigoso que anteriormente havia notado a sua existência quando nele esbarrou e com ele bateu violentamente em seu braço, repetidas vezes ela praticou esse gesto doloroso, a garota estava se auto-flagelando para desviar a atenção do lobo e assim proteger seu valioso amigo, gostas de sangue caiam sobre a neve. O lobo vivamente encarou a garota e ela cautelosamente com passos macios e pequenos foi se distanciando e o predador emanando fome e prazer foi a acompanhando, Maria se aproximou de vários troncos podres e pontiagudos e se posicionou de costas para eles.

A criatura medonhamente uivava, a maldade estava profundamente impregnada em seus vivos olhos, preparou um ataque e em seguida já estava velozmente correndo em sua direção, Maria ali permaneceu inerte. O corpo da garota havia paralisado, seus olhos permaneceram presos naquela cena, o cordeirinho confuso correu para acudi-la, e com toda sua força empurrou as suas pernas com a cabeça, a menina se desequilibrou e desviou do ataque violento do lobo, o que o fez ir de encontro aos troncos pontiagudos, eles rasgavam, trituravam o corpo do lobo, o animal agonizou até a morte. O pequeno cordeiro sentiu o sangue escorrer por entre a sua lã e tocar a branca neve, logo mais estava vermelho vivo e ele vidrou o rostinho de Maria, percebeu que o ataque não falhara por completo, a menina encontrava-se gravemente ferida, o sangue deslizava da sua boca e respingava em sua roupa clara. Em questões de segundos a garota foi ao chão, o animalzinho lambia suas mãos desconsoladamente, Maria ainda consciente, mas com os olhos vazios de expressão, para tranquilizá-lo ofereceu-lhe um sorriso de conforto e ainda debilitada, com seu braço horrendamente ferido acariciou a sua lã manchada de sangue.

O cordeiro tomado por terrível sofrimento se desesperou e correu de forma descomunal em busca de socorro, ele havia perdido o controle, não podia cogitar a idéia de que a sua razão de viver, estava ali morrendo, o fio da vida estava lentamente a deixando. Para não sucumbir, ele corria indescritivelmente, sua velocidade ultrapassa os limites lógicos, apavoradamente ele corria na neve. O seu lamento cortava os ventos gélidos, a sua lamúria sonora ecoava os céus, o mundo havia sido suspenso, e nada era mais importante do que a sobrevivência da doce Maria. Incansadamente corria e corria, seus movimentos e articulações estavam equilibrados, ele não era mais o mesmo, as respirações falhas de sua dona quebravam qualquer vestígio de lucidez, perfuravam o seu espírito inocente.

Ele sentiu a alma da garota cair na escuridão, e assim continuou a percorrer essa longa distância, os galhos afiados como facas, cortavam a sua pele, mas o medo de perde-la superava qualquer dor. Enfim, ele chegou ao local predestinado, e encontrou o pai de Maria, o seu maior desejo naquele momento era se fazer entender, o pai percebeu que havia algo de errado, o cordeiro estava vermelho vivo e muito debilitado, mas o mais assustador foi perceber que a presença de sua filha não constava, de prontidão seguiu o caminho apontado, algum tempo depois avistaram a garotinha, ele pegou a sua menina incrivelmente machucada e a levou de volta nos braços. Ao chegarem ao quarto de Maria, os devidos cuidados foram executados, e por longos e intermináveis dias ela adormeceu e recuperou-se.

Por todo esse período o cordeirinho velou e zelou o seu sono, finalmente em uma noite fria a garota despertou do seu sono profundo, parecia estar bem melhor, o seu quarto estava levemente iluminado pela luz do luar, e em seguida ao pé da cama avistou seu amado amigo encolhido, aproximou-se dele e com a maior felicidade, passou a mão de forma tranquila para despertá-lo, mas não obteve resposta, freneticamente repetiu os movimentos, lágrimas escorriam do seu rosto e deslizavam na lã, percebeu que ele havia descansado eternamente, agora Maria tinha um cordeirinho morto...

domingo, 3 de maio de 2009

O Garoto com Dois Rostos

Olliver nasceu no ano de 1840, no país da imaginação, sempre foi um garotinho educado e engraçado, sua infância foi repleta de pureza. “Mas que garotinho doce aquele” todos diziam, como ele era elogiado, afinal são poucos aqueles que Deus abençoou com o dom esplêndido de denotar vida para um simples pedaço de papel. Como esse garoto era fofinho, um verdadeiro encanto ao escrever e ao se expressar, sempre sorria com os olhares de admiração que causava naqueles que o viam escrever, pois não estavam habituados a verem rabiscar o papel de ponta cabeça ou com o caderno posto de lado. Era de seu conhecimento que espécie como ele eram raridades, em sua época, porquanto no seu país pessoas canhotas estavam se extinguindo. Confessa a história que cérebros de pessoas como este pequeno são complexos, eles sempre foram incompreendidos, portanto as características resumem-se a uma minoria. Definitivamente eles são julgados como amaldiçoados, logo ignorado em certos aspectos, fato típico dos seres humanos.
Este anjo de imaginação fértil sempre foi apaixonado por cavalos, para ele era fascinador imaginar cavalos alados, logo se presume que seu conto de ninar favorito era Cavalo de Fogo. Ele sempre soube que cavalos alados voam na água, afinal ele residia no país da imaginação. Óh criança desejada, escondia um grave segredo, tinha dois rostos e um deles era manchado de tinta preta, era só vidrá-lo e uma sensação estranha pairava, não conseguia reter as lágrimas, entrava em desconceso, um rostinho delicado e doce com um enorme borrão estampado. Por esse motivo o ocultava, deixando sempre visível o outro rosto perfeito que tinha pelo fato de lhe ser conveniente. Ele espremia sempre medo e cólera, esse era o seu trunfo, era a sua estratégia de defesa. E assim essa mentira ardilosa se alastrava e o consumia de forma desgastante. Olliver adorava caminhar pelos jardins de nuvens, lá ele podia se encontrar e pensar com clareza, esse lugar deslumbrante possibilitava isso.
Em um desses seus passeios costumeiros, um evento inesperado ocorreu, em um lugar longícuo, ele pode ver uma árvore obscura e solitária, já tinha ouvido rumores que era proibido aproximar-se deste lugar cinzento. Lá não haviam nuvens macias no chão, mas sim um solo sem vida, definitivamente nunca houve alegria exprimível ali, somente vestígios de melancolia e sofrimento. A fobia do desconhecido e o desejo percorriam por cada poro do seu corpo, este sentimento estava solidamente fechado internamente. Um som quieto veio através do vento, tão incrivelmente encantador, uma espécie de magnetismo sonoro, a irresistível ânsia se sobrepôs ao medo e de forma suave ele caminhou em direção ao som sutil, porém lívido. A árvore exalava medonhamente um misto de sentimentos, o pobre garoto entregou-se de forma absoluta, estava hipnotizado, ali o inconsciente prazeroso adormeceu em sua alma.
Duraram alguns minutos esse prazer ao extremo, aproximadamente 10 minutos, após isso o som cessou, nada se ouviu por um momento. O silêncio completo só foi quebrado por gritos agudos, horríveis e angustiantes, Olliver caiu no chão e com um esforço sobre-humano tentou proteger os ouvidos com suas frágeis e pequenas mãos, o desespero era tamanho que os olhos encovados saiam de órbitas. Com a pouca força que lhe restara, se levantou e produziu uma tentativa de fuga, que logo mais falhara, pois algo o havia impedido de escapar, ao correr os olhos para encontrar a causa, se viu cercado por mãos pálidas e sangrentas, notou que uma delas agarrava suas pernas, ele soltou um grito dilacerante, contudo inútil. De forma estranha elas emergiam e submergiam do podre solo, em movimentos não sincronizados e ágeis, os toques eram destruidoramente gelados.
O menino relutava com perseverança para se desvencilhar, entretanto grande era a rapidez dos movimentos que mal podia tocá-las, só sentir o gelo causar graves ferimentos em seu corpo. A agonia do garoto era crescente a cada segundo assombrado. Duas gotas de sangue foi o que ele sentiu escorrer de seu rosto e pingarem em sua perna machucada, trêmulo passou a mão, o coração disparado pareceu petrificar, com o pânico de proporção gigante sentiu a sua mão banhada, a vista do sangue o enlouquecera, percebeu que havia quebrado o seu rosto, tomado pelo sinistro, chorando soltou um grito estridente de martirizar, sua visão escureceu, desmaiou e por ali permaneceu. As mãos cadáveres foram se amotinando sobre seu corpo, elas serpenteavam suavemente, formando assim, um emaranhado de mãos, lentamente o solo foi se diluindo e mergulhando Olliver cada vez mais para o abismo.
Ao escurecer, atormentado com a atrocidade ele desperta, e nada havia ali, além dele, a árvore, e seu medo, olhou ao seu redor e tudo o que pode sentir foi o silêncio típico, percebeu então que havia caído em seus devaneios, deslizou a mão pelo rosto destruído, sofreu uma paralisia temporal, assombrado vislumbrou a reação de todos ao visualizarem seu único rosto, estupefato se sentiu incapaz de retornar, se estabeleceu naquele local, sentiu a sua vida suspensa por um fio de nada, onde bastava um sopro para ser destruída...